hoje pela manhã, recebi dois emails do Orkut com o mesmo conteúdo. tratava-se de um email redigido pelo dono da grife Totem, a respeito de um assalto sofrido por ele na avenida Brasil, assim que acabara de deixar o aeroporto do Galeão. fiquei chocada com o email, e pensei tratar-se de um hoax. descobri que não era, ao visitar o blog No Front do Rio, do jornal O Globo. o email estava lá. e com ele, a pavorosa informação de que são mais de 80 veículos roubados na Linha Vermelha naquela mesma área, todos os dias. e que os policiais que patrulham a área nada podem fazer, por causa da precariedade em que trabalham. "Somos apenas fantoches."

tremo quando penso que, amanhã, pode ser meu taxi, ou o carro de algum familiar, me levando prá casa após meu desembarque. e com minha filha dentro. moro há mais de um ano fora do Brasil, depois de 34 vivendo na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. dizem que existe violência em todos os lugares. concordo. mas existem contextos e contextos. sente-se isso na pele. a primeira coisa que me surpreendeu aqui foi a tranquilidade em se caminhar pela rua, em se trafegar numa auto estrada, a porta dos fundos da casa aberta até tarde. as casas não têm muros. o carro do meu marido fica com o porta malas aberto, no quintal. coisas que eu já tinha esquecido serem possíveis, e que não tinha me dado conta de como eram valiosas. pode acontecer de invadirem a casa, de roubarem o carro. mas nós sabemos que a pessoa que fizer isso será pega rapidamente, e punida como se deve. esta é a diferença.

em Washington DC deve entrar em vigor, até o fim desse mês, uma lei que impede que menores de 17 anos, desacompanhados dos pais, fiquem pelas ruas após as dez da noite. o famigerado "toque de recolher". a lei foi criada graças ao envolvimento cada vez maior de menores de idade em crimes. muitos acham a lei questionável, por ferir o direito de ir e vir. minha opinião é de que liberdade e responsabilidade são inseparáveis. se vai fazer bobagem ao ficar solto por aí, melhor que mãos severas o contenham. problemas graves exigem medidas duras. é isso o que não existe no Brasil. eu sempre achei que existisse conivência do governo com o crime, com o tráfico de drogas. ou como se explica a sucessão de absurdos que desfilam diante de nossos olhos, todos os dias, sem que nada se faça, nenhuma medida, governantes que não se justificam diante de quem lhes paga os salários (aliás, o Rio de Janeiro ainda tem "governo"? seria de decência mínima que se retratassem diante do povo português a respeito do assassinato do turista de 19 anos.)

quando digo, por aqui, que sou brasileira, do Rio de Janeiro, as pessoas abrem um sorriso largo. é incrível como, mesmo com todas as notícias horripilantes de violência e injustiças que chegam aqui, as pessoas mantêm sua simpatia pelo Brasil. mas quando manifestam sua vontade de visitar o Rio, mesmo com alguma vergonha, desencorajo veementemente. quem sabe não estarei compactuando com a próxima desgraça.


e ontem fui Top Ten do Art Wanted pela terceira vez. :))

a imagem responsável é o work-in-progress aí de baixo, The Divine in Me, que saiu do forno no último domingo.

eu não vou votar prá presidente esse ano, graças às dificuldades geográficas e burocráticas que as embaixadas brasileiras impõem a quem deviam facilitar a vida em terra estrangeira. não tenho condições financeiras nem físicas (graças à gravidez) de pegar um avião (quantas vezes? duas? três?) e rumar para Washington, onde fica a embaixada da jurisdição onde moro, para assinar papéis e assim poder cumprir com meus deveres de cidadã. eu gosto de votar, gosto de participar dos rumos do meu país, mas sinceramente desta vez não estou lamentando muito o fato de não poder comparecer às urnas. as notícias que leio todos os dias nos jornais online não são nada animadoras; nenhum candidato entusiasma, consegue atrair a atenção, todos têm a mesma aura de "já vi esse filme antes". mesmo longe, consigo perceber uma certa atmosfera de desalento e desânimo pairando sobre o povo brasileiro, o que pode ser desastroso. ninguém acredita mais em políticos, classe já estereotipada, caricatural, e seu circo tragicômico. então é isso: materializou-se o sonho carnavalesco e o Brasil virou uma grande pantomima, com seus Arlecchinos e Pantaleones e histórias já tão gastas que doem, e não há coragem para tranformar o desalento em revolta.

e antes que eu me esqueça, sou a favor do voto nulo. não acho que há mais tempo de votar no "menos pior" (a quantos mandatos temos feito isso?). há que haver uma hora de protestar.

the divine in me - copyright 2006 Patricia Ariel

work in progress. sem muita nitidez, porém.

desde pequena, sou apaixonada por palavras, as impressas e as invisíveis. aprendi a ler, escrever e falar muito cedo, segundo a minha mãe. falava pelos cotovelos. lia tudo o que me caía nas mãos, e enchia cadernos e mais cadernos de histórias fantásticas e desenhos a lápis de cor. na escola já não falava tanto, por causa da timidez e da insegurança, mas os escritos contiuaram e as leituras também. eu adorava tudo o que a maioria dos alunos odiava: a aula de redação e os livrinhos obrigatórios, sobre os quais teríamos que fazer provas depois. li clássicos quando ainda era criança, mesmo sem entender como devia. Shakespeare era meu favorito aos treze anos - idade em que li e reli Hamlet com uma voracidade sem precedentes.

o tempo passou e eu fui descobrindo outros meios para as palavras. aprendi a usá-las no silêncio de gestos teatrais e de passos de dança, em forma de notas de música e de olhares. aprendi a controlar minha curiosidade pelo mundo e ficando mais seletiva. aprendi a degustar livros devagar, a não ler tudo o que me vinha de encontro, a rejeitá-los depois da décima página por descobrir que não me trariam nada novo. aprendi na pele que as palavras podem ter mais poder e machucar mais que armas, e ainda deixar sequelas por anos a fio. mas que também podiam transformar, causar revoluções, curar. aprendi que elas são a chave do processo civilizatório, e que somos ainda uns néscios sem consciência de seu melhor uso.

a liberdade que temos hoje de usar as palavras e difundi-las é um milagre que apenas este nosso século maluco nos podia trazer. é certo, vivemos empanturrados de palavras para o bem e para o mal; mas temos ampla liberdade de escolha. mesmo com tantas bobagens lidas no dia-a-dia, mesmo com orkuts e spams, acho que tem valido a pena.

palavras são infinitas.

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